Rio de Contas: dádiva divina. Aqui nasce e renasce a nossa história.
O rio das Contas, um caminho de
vida em Taboquinhas, no sul do estado da Bahia. Com a
chegada dos primeiros invasores
tornou-se um caminho para a morte, pois a maioria da
população indígena que vivia em
suas margens, próxima à sua foz, foi expulsa ou morta. Esta
é a história da primeira invasão
do vale do rio das Contas, que está registrada no livro
Itacaré: cancioneiro
histórico-geográfico de sua gente, de autoria de Otília Maria
Nogueira, moradora do lugar,
agricultora e líder na comunidade à qual pertence, chamada
carinhosamente por todos de Dona Otilia
Então, Dona Otília evoca o espírito e a
alma do lugar e transcende o tempo, para escrever sobre as estórias e as
histórias do rio das Contas, em forma de um poema em seu livro: Itacaré -
cancioneiro histórico-geográfico de sua gente. O rio das Contas “na escrita” de
uma moradora da nossa terra revela a sabedoria de uma mulher que teve e tem o rio como seu melhor amigo, aliado. Foi dali que sua família tirava o sustento; ela está ligada diretamente a terra, as águas, a sua gente, a sua cultura; é muito mais que tudo isso, é uma guerreira indígena preocupada em aprofundar e preservar com muita garra suas ricas raízes.
XII
A origem do rio
de Contas
É na Chapada
Diamantina
Bem ali, na
Serra do Tromba
Que vem suas
águas puras e cristalinas
Que vem
desaguando no seco sertão
E deslizando
esta dádiva divina
II
Ele vem
serpenteando pelos vales
Em gargantas
estreitas se envereda
Descendo morro
formando cachoeiras e cascatas
Banhando
florestas, campos e selvas
Cortando o
deserto e florindo a vida
E também as cidades junto dele se
agregam
XIII
Sua nascente em
Piatã
Na região
central da Chapada
E rasga rumo ao
mar
Cortando vários
municípios e cidades
Onde muitos
utilizam as suas águas
Para a formação de diversas barragens
XXIV
Depois de cortar
várias léguas
Em Itacaré vem
parar
Corta o
município de leste a oeste
Com uma beleza
sem igual
Na cidade faz a
sua foz
Onde suas águas se encontram com o mar
XI
Mesmo assim foi
o rio de Contas
Que nos ofereceu
essa alegria
É o maior que
nasce e deságua
No estado da
Bahia
É o Nilo de
Itacaré
Como os antigos diziam
I
Desde o homem
primitivo
Que enfrentou o
desafio
Deste amigo
inseparável
Que igual nunca
se viu
Ele é quase tudo
em nossas vidas
Este amigo é o rio
III
Foi aí que o
homem percebeu que o rio
Era de grande
utilidade
Mesmo antes da
agricultura
Se estabeleceu
em suas margens
É fácil se
entender as razões
E também as grandes vantagens
X
Que seria do
homem sem o rio
De que ele ia
viver
O feitiço do rio
fascinou o homem
Lhe dando
segurança e prazer
O rio lhe ofereceu
seus encantos
Nas suas águas veio lhe acolher
IV
Água para beber,
não lhe faltaria
A pesca sempre
com fartura
O banho a tempo
e a hora
A alimentação
sadia e pura
Via natural de
penetração
Maneira de viajar segura
V
Logo o homem
criou suas embarcações
Na superfície
das águas
Foi amadurecendo
as idéias
Que com o
decorrer do tempo, avançava
Uns aprendendo
com os outros
De pouco a
pouco, edificava
VI
O processo de
secar o peixe
De objetos
construir
De fabricar seus
utensílios
De pesquisar e
descobrir
De criar e
melhorar seus projetos
De crescer e evoluir
VIII
Os povoados
adornando o leito dos rios
E as cidades
foram surgindo
Seu povo
prosperando muito
E também sem
sentir, foram poluindo
Transformando em
grandes centros
E cada vez mais se evoluindo
VII
Na medida em que
a curiosidade aumentava
As novidades
aumentavam e apareciam os interesses
E foi se
entrelaçando com a evolução
Aos poucos
surgindo o comércio
Que cresceu em
comunhão com as águas
E caminhou com o rio o grande progresso
IX
O homem e o rio
estão ligados
Nada pode os
separar
O homem se
estabeleceu ao seu lado
O rio lhe
ensinou a trabalhar
A cultivar a
terra, produzir energia
Tirar o seu sustento e navegar
XV
Muito mais de
400 Km
Da Chapada
Diamantina até aqui
O rio de Contas
é um grande reduto
De peixe,
camarão, pitu e acarí
Concentra os
apreciados crustáceos
Igual a ele
nunca vi
XIV
Ele vem
recebendo outros rios
Igarapés e
ribeirões
Alimentando com
seu pescado
A humilde
população
Que vive nas
suas margens
E dali tiram a
sua alimentação
XX
A pesca no rio
de Contas nunca pára
É igualmente em
Itacaré e Taboquinhas
Eles gostam de
pescar com o anzol cursiando
Para pegar
Robalo, Carapeba e Tainha
Do Pé da Pancada
até a Volta do Saco
Às vezes, até a
Pedra da Andorinha
XVIII
No sequeiro do
Rasga Camisa
Dos acaris era
morada
O saboroso peixe
Cascudo
Que o nosso povo
pescava
Ele vivia nas
locas de pedras
E de limo se
sustentava
XIX
Outros pescavam
a Curuca
Que existia de
montão
Juntavam várias
famílias
Pescavam de
mutirão
Mergulhados com
sacos nos dentes
Para pegar
Cascudo e o Camarão
XXI
E também pescam
o Caçari
Que dá de tempo
em tempo, mas com fartura
É um saboroso
peixinho
Um Bagre em
miniatura
Porém, depois da
moqueca pronta
Deslumbra qualquer criatura
XVI
Temos de exemplo
o velho Biduca
Que nunca veio
do rio de mão pura
Maior pegador de
pitu
Tinha munzuar
com fartura
Espalhava pelo
sequeiro
Biduquinha era
uma figura
XVII
Tinha o porte de
um pigmeu
As correntezas
do fundo enfrentava
Patriarca de uma
grande prole
Que com muita
dedicação sustentava
Rezava de toda
doença
Fazia remédio e curava
XXII
Suas pedras
bordadas pelas lavadeiras
Que ganham o pão
de cada dia
No Porto da
Balsa, Volta do Saco
Para lá elas
carregam suas bacias
Vão também para
a Pedra de Emília Doce
Pedra do Sabe
Tudo e cia
XXIII
Emília Doce era
uma senhora
Que era
descendente de africano
Que lavava a
roupa de Landulfo
Entrava ano e
saia ano
Naquelas pedras
do rio
Alegre e cantarolando
XXV
Este rio é uma
dádiva
Que o nosso Deus
nos presenteou
Portanto
agradecemos de coração
Pelo santo ato
de amor
Que nessas águas
lindas e barrentas
Muita riqueza
gerou
XXVI
Encerro este
capítulo
Com o mesmo
desafio
Pedindo a vocês
que preservem
As margens de
todos os rios
Que a água é uma
relíquia divina
Melhor do que ela nunca se viu.