quinta-feira, 14 de junho de 2012


Rio de Contas:  dádiva divina. Aqui nasce e renasce a nossa história.


            O rio das Contas, um caminho de vida em Taboquinhas, no sul do estado da Bahia. Com a
chegada dos primeiros invasores tornou-se um caminho para a morte, pois a maioria da
população indígena que vivia em suas margens, próxima à sua foz, foi expulsa ou morta. Esta
é a história da primeira invasão do vale do rio das Contas, que está registrada no livro
Itacaré: cancioneiro histórico-geográfico de sua gente, de autoria de Otília Maria
Nogueira, moradora do lugar, agricultora e líder na comunidade à qual pertence, chamada
carinhosamente por todos de Dona Otilia



                       Então, Dona Otília evoca o espírito e a alma do lugar e transcende o tempo, para escrever sobre as estórias e as histórias do rio das Contas, em forma de um poema em seu livro: Itacaré - cancioneiro histórico-geográfico de sua gente. O rio das Contas “na escrita” de uma moradora da nossa  terra revela a sabedoria de uma mulher que teve e tem  o rio como seu melhor amigo, aliado.  Foi dali que sua família tirava o  sustento;  ela está ligada diretamente a terra, as águas, a sua gente, a sua cultura; é muito mais que tudo isso, é uma guerreira  indígena preocupada em aprofundar  e preservar com muita garra suas ricas  raízes.



XII
A origem do rio de Contas
É na Chapada Diamantina
Bem ali, na Serra do Tromba
Que vem suas águas puras e cristalinas
Que vem desaguando no seco sertão
E deslizando esta dádiva divina
II
Ele vem serpenteando pelos vales
Em gargantas estreitas se envereda
Descendo morro formando cachoeiras e cascatas
Banhando florestas, campos e selvas
Cortando o deserto e florindo a vida
E também as cidades junto dele se agregam
XIII
Sua nascente em Piatã
Na região central da Chapada
E rasga rumo ao mar
Cortando vários municípios e cidades
Onde muitos utilizam as suas águas
Para a formação de diversas barragens
XXIV
Depois de cortar várias léguas
Em Itacaré vem parar
Corta o município de leste a oeste
Com uma beleza sem igual
Na cidade faz a sua foz
Onde suas águas se encontram com o mar
XI
Mesmo assim foi o rio de Contas
Que nos ofereceu essa alegria
É o maior que nasce e deságua
No estado da Bahia
É o Nilo de Itacaré
Como os antigos diziam
I
Desde o homem primitivo
Que enfrentou o desafio
Deste amigo inseparável
Que igual nunca se viu
Ele é quase tudo em nossas vidas
Este amigo é o rio
III
Foi aí que o homem percebeu que o rio
Era de grande utilidade
Mesmo antes da agricultura
Se estabeleceu em suas margens
É fácil se entender as razões
E também as grandes vantagens
X
Que seria do homem sem o rio
De que ele ia viver
O feitiço do rio fascinou o homem
Lhe dando segurança e prazer
O rio lhe ofereceu seus encantos
Nas suas águas veio lhe acolher
IV
Água para beber, não lhe faltaria
A pesca sempre com fartura
O banho a tempo e a hora
A alimentação sadia e pura
Via natural de penetração
Maneira de viajar segura
V
Logo o homem criou suas embarcações
Na superfície das águas
Foi amadurecendo as idéias
Que com o decorrer do tempo, avançava
Uns aprendendo com os outros
De pouco a pouco, edificava
VI
O processo de secar o peixe
De objetos construir
De fabricar seus utensílios
De pesquisar e descobrir
De criar e melhorar seus projetos
De crescer e evoluir
VIII
Os povoados adornando o leito dos rios
E as cidades foram surgindo
Seu povo prosperando muito
E também sem sentir, foram poluindo
Transformando em grandes centros
E cada vez mais se evoluindo
VII
Na medida em que a curiosidade aumentava
As novidades aumentavam e apareciam os interesses
E foi se entrelaçando com a evolução
Aos poucos surgindo o comércio
Que cresceu em comunhão com as águas
E caminhou com o rio o grande progresso
IX
O homem e o rio estão ligados
Nada pode os separar
O homem se estabeleceu ao seu lado
O rio lhe ensinou a trabalhar
A cultivar a terra, produzir energia
Tirar o seu sustento e navegar
XV
Muito mais de 400 Km
Da Chapada Diamantina até aqui
O rio de Contas é um grande reduto
De peixe, camarão, pitu e acarí
Concentra os apreciados crustáceos
Igual a ele nunca vi
XIV
Ele vem recebendo outros rios
Igarapés e ribeirões
Alimentando com seu pescado
A humilde população
Que vive nas suas margens
E dali tiram a sua alimentação
XX
A pesca no rio de Contas nunca pára
É igualmente em Itacaré e Taboquinhas
Eles gostam de pescar com o anzol cursiando
Para pegar Robalo, Carapeba e Tainha
Do Pé da Pancada até a Volta do Saco
Às vezes, até a Pedra da Andorinha
XVIII
No sequeiro do Rasga Camisa
Dos acaris era morada
O saboroso peixe Cascudo
Que o nosso povo pescava
Ele vivia nas locas de pedras
E de limo se sustentava
XIX
Outros pescavam a Curuca
Que existia de montão
Juntavam várias famílias
Pescavam de mutirão
Mergulhados com sacos nos dentes
Para pegar Cascudo e o Camarão
XXI
E também pescam o Caçari
Que dá de tempo em tempo, mas com fartura
É um saboroso peixinho
Um Bagre em miniatura
Porém, depois da moqueca pronta
Deslumbra qualquer criatura
XVI
Temos de exemplo o velho Biduca
Que nunca veio do rio de mão pura
Maior pegador de pitu
Tinha munzuar com fartura
Espalhava pelo sequeiro
Biduquinha era uma figura
XVII
Tinha o porte de um pigmeu
As correntezas do fundo enfrentava
Patriarca de uma grande prole
Que com muita dedicação sustentava
Rezava de toda doença
Fazia remédio e curava
XXII
Suas pedras bordadas pelas lavadeiras
Que ganham o pão de cada dia
No Porto da Balsa, Volta do Saco
Para lá elas carregam suas bacias
Vão também para a Pedra de Emília Doce
Pedra do Sabe Tudo e cia

XXIII
Emília Doce era uma senhora
Que era descendente de africano
Que lavava a roupa de Landulfo
Entrava ano e saia ano
Naquelas pedras do rio
Alegre e cantarolando
XXV
Este rio é uma dádiva
Que o nosso Deus nos presenteou
Portanto agradecemos de coração
Pelo santo ato de amor
Que nessas águas lindas e barrentas
Muita riqueza gerou
XXVI
Encerro este capítulo
Com o mesmo desafio
Pedindo a vocês que preservem
As margens de todos os rios
Que a água é uma relíquia divina
Melhor do que ela nunca se viu.